quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Monxorós!


Marília Bernardo Fernandes é o que eu costumo identificar como uma aluna perfeita. Atenciosa, respeitadora, legal, inteligente e simpática. É sempre bom conversar com ela nos intervalos da vida. Aprendo muito, muito mesmo com essa menina. Recentemente veio me mostrar um texto sobre um determinado povo. Bem, era tudo o que eu queria escrever. Abaixo segue o texto, é incrível e hilário. Já vou avisando: qualquer semelhança é mera coincidência ou qualquer coincidência é mera semelhança!

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Esta é uma pequena história cujo caráter ficcional é meramente ilustrativo, uma vez que a seguinte narração passaria despercebidamente pela mais pífia realidade. Um aglomerado qualquer de seres humanos, em um nível desprezível de socialização e esclarecimento, pode apresentar traços fiéis aos moradores de Moseley.

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Era uma cidade pequena, de fato. Atingia sempre baixas temperaturas e isso era motivo de grande reclamação entre seus moradores, incomodados com a pouca surpresa que o clima proporcionava. Minúscula, poderia-se dizer sem medo de eufemismo, ainda que quisesse parecer grande coisa perante outras cidades. Moseley localizava-se ao norte daquele Imenso País Gelado. Sua política era fortemente enraizada em tradições religiosas, fomentadas por uma família específica, que conduzia o poder durante gerações seguidas. Era até natural tê-los no poder e nada era feito quanto a isso, diante da aparente normalidade em se ter a democracia burlada, ainda que legalmente. Paradoxal, deveras, mas nada que interferisse no longo reinado da família Rose. Reinado - foi mesmo essa a palavra usada? Não que o fosse, mas se assemelhava, o que era notado por aqueles que tinham uma perspicácia aguçada e tinham de tolerar, por falta de meios, tal realidade.
A população, em sua maioria, era de renda mediana, sendo esta baseada no turismo e venda de madeira, dada a densa floresta que a rodeava. No inverno, famílias abastadas, assim como a Rose, se mudavam para Moseley e por lá permaneciam durante o longo período do inverno, que coincidia com os meses de férias. Um local apreciado especialmente pelos mais jovens, que sentem um prazer peculiar em exibir suas posses: as roupas de frio, todas de famosas marcas de material esportivo, eram como uma espécie de farda obrigatória. Qualquer coisa diferente era até mesmo vista com desprezo e um sentimento de inferioridade era instaurado em quem ousasse ser original. Carrinhos de neve e equipamentos de esqui eram mostrados como objetos de glória, ostentando um valor imaginariamente grande, mas que mal sabem tais mentes tão vazias que nada daquilo havia sido fruto de seu próprio trabalho ou mesmo imaginavam se seus pais obtinham toda aquela abastança por meios honestos.
Outra coisa peculiar em Moseley era a ignorância de seu povo. Era até compreensível em camadas mais pobres, exploradas em épocas de campanhas políticas. Afinal, quanto mais carente, menos seletivo é o povo, uma vez que a necessidade urge e qualquer condição diferente da anterior é aceitável.
Contudo, a ignorância instalava-se até mesmo entre os ditos esclarecidos.
Uma espécie de música dominava, dentre todas as preferências musicais existentes. Um antigo estilo musical típico do norte daquele Imenso País Gelado havia sido deturpado e vendido como mercadoria, se passando por cultura. Continuavam a chamar de Fohò, mas não era o verdadeiro Fohò, como dançavam e cantavam os que pertenciam às gerações passadas. As músicas atuais tratavam de futilidades e eram especialmente ouvidas durante o inverno, pela população jovem que esquiava em Moseley. Possuir boas motos de neve, ter um específico equipamento de esqui e beber uma certa marca de whisky eram comportamentos defendidos. Não porque o frio fosse excessivo e beber whisky fosse necessário, até porque não era o de qualquer marca. Isso tudo porque grandes fábricas de bebidas patrocinavam os novos “músicos” do Fohò e, pelo dinheiro, a “música” virava uma grande propaganda, absorvida sem controle pela população que, sem senso crítico, seguia a moda pela moda na desprezível Moseley.
A cultura nunca foi um ponto forte de Moseley, embora grandes festivais sejam feitos. Essa cidade é mesmo cheia de paradoxos. Mas esse pode ser facilmente explicado: os festivais são feitos para que a população esqueça seus problemas. Sim, essa é a grande e essencial função do divertimento: aliviar. Um riso e uma boa música aliviam a labuta de cada dia. Mas eis que os festivais de Moseley não aliviam – sedam. Os bons músicos e poetas de Moseley terminam esquecidos ou sufocados, porque o patrocínio e bons pagamentos só chegam aos músicos do novo Fohò.
Boas somas de dinheiro chegam também àqueles que promovem a caça de ursos selvagens. Chamam aquilo de Ursada. Praticam a Ursada eventualmente, numa grande festa regada a Fohò e bebidas, obviamente, pois ambos estão relacionados. Laçam os ursos e fazem todo tipo de prática irracional sob o argumento de que a Ursada é um esporte. É de fato uma realização que não seria permitida na presença do discernimento, mas isto falta aos moradores de Moseley. As autoridades nada fazem quanto à Ursada, pois elas mesmas participam e promovem. Se não o fazem, fingem que não estão vendo qualquer atitude ilegal, pois uma outra família bastante influente em Moseley conduz anualmente a Ursada, os Porchini. Esta família domina vários ramos do comércio, inclusive o das famigeradas motos de neve.
Moseley nada mais é do que uma grande teia movida à troca de favores.
No mais, a população não é amante da leitura e as boas obras terminam empoeiradas nas prateleiras. Suprir hábitos verdadeiramente culturais é bastante caro em Moseley: preços abusivos são pedidos pelos livros, que já não são de uma boa variedade. Poucos os compram e viver da Literatura nunca foi um grande negócio naquele Imenso País Gelado.
Nessa cidade, nem mesmo a fé escapa do exibicionismo. Ter uma religião é preciso, mas não somente uma: tem que ser justamente aquela cuja maioria participa, da religião Caótica. É importante ressaltar que tal igreja e a política local andam intimamente entrelaçados. Mas não deve ser mais nada demais. Certamente, a prefeita de Moseley anda bastante interessada em doar dinheiro aos mais pobres. O clero local, obviamente. Não há muitos pobres em Moseley que não sejam do clero local.
Uma recente construção de Moseley parece estar atraindo muitas pessoas: é a nova estação de esqui. Lá, muitos passeiam e ostentam seu luxo aparente com gestos mesquinhos e atitudes mais vazias ainda. Há quem vá pelo simples prazer de passear e apreciar a companhia ou a paisagem, mas estes são poucos.
A nova estação de esqui é uma vitrine humana, a melhor de todas, pois principalmente lá a população de Moseley garante que todos os outros saibam que padrão de vida ela possui exatamente.
Sair de Moseley é, verdadeiramente, um grande feito. Quem viaja para outros países faz questão de isto expor, não porque o turismo seja uma atividade interessante, mas porque é preciso esclarecer de que a renda é mais do que suficiente para poder abarcar as despesas que as passagens caras propiciam. Os mais jovens - como sempre os mais jovens – são, principalmente, aqueles que adoram alardear suas viagens. Em contato com outras culturas, eles sequer exaltam suas raízes. Não. Eles escondem o pouco de cultura que puderam absorver de sua terra natal e voltam para ela com a cultura do país visitado, do qual se sabe tudo. Escreve-se muito bem o idioma estrangeiro e todos os hábitos de fora são minuciosamente copiados, ainda que os principais países visitados sejam de clima tropical. Há, inclusive, quem traga do exterior algumas pranchas de surfe e maiôs de banho. Como se fosse possível usar tais coisas nas condições naturais de Moseley. É de conhecimento geral que é um absurdo, mas dizer o que se tem, ou melhor ainda, exibir, continua sendo o passatempo preferido daqueles que moram em Moseley.
Essa cidade é mesmo surpreendente.